A montanha de denúncias envolvendo o atendimento e risco de contágio pelo coronavírus dentro do Hospital Santa Casa (referência para pacientes de Covid-19 em Rio Grande) ainda não teve posição oficial da entidade nem do poder público. Contudo, a denúncia feita com exclusividade ao Site Edson Costa Repórter deverá suscitar medidas enérgicas e em regime de extrema urgência, sob pena de aumentar o temor da população ao buscar atendimento no hospital.

MORTE ANUNCIADA

Querendo evitar que outras pessoas morram por negligência e precariedade da estrutura local, o pastor evangélico Cristiano Silva da Silva resolveu alertar a comunidade sobre a situação do sistema de saúde pública em Rio Grande e das carências no Hospital Santa Casa. Seu padrasto, Vanderlei Teixeira da Cruz, motorista aposentado, com 63 anos, diagnosticado com Covid-19, precisou de atendimento de urgência, mas acabou morrendo no último dia 15. Ao resolver, junto com sua família, chamar a atenção do Governo Municipal, Ministério Público e Judiciário, Cristiano entregou documentos e gravação ao Site Edson Costa Repórter, mas deixou claro que seu objetivo é mesmo o de evitar que outras famílias passem por situação de tamanha dor.

O aposentado apresentou sintomas gripais e foi levado à Unidade de Saúde do Bairro Profilurb no dia 10, sexta-feira, quando a médica fez prescrição e recomendou retorno caso não tivesse melhora em quatro dias. Na madrugada de domingo o quadro do aposentado piorou e foi novamente levado ao posto durante a madrugada, mas não foi pedido qualquer exame médico de resultado rápido. O pastor Cristiano relata que a equipe de atendentes, vendo a gravidade do caso, “resolveu chamar o médico de plantão que estava dormindo”. O médico veio e, segundo o pastor, resolveu acionar outro médico, “que também estava dormindo”. Às pressas, o paciente recebeu oxigênio no próprio posto, na tentativa de melhora do quadro. Uma hora depois, o posto do Profilurb anunciou que o estado de Vanderlei era gravíssimo e precisava ser internado com urgência.

O médico telefonou para a Santa Casa na tentativa de remoção do doente, mas ninguém atendeu a ligação, apesar da insistência. O profissional disse aos familiares que se a Santa Casa não atendesse a ligação, o paciente não poderia ser removido. Desesperados, os familiares colocaram o paciente, quase inconsciente, em um carro e levaram o doente ao Hospital Universitário, que estava com atendimento suspenso. Sobrou à família buscar socorro na Santa Casa, onde Vanderlei foi levado para a Ala Covid-19, mas duas horas tinham se passado. Às sete horas uma atendente anunciou aos familiares que o caso de Vanderlei era muito grave, mas ele ficou num “corredor da morte” por mais duas horas. Às nove horas, desfalecido e sendo mantido numa cadeira de rodas, diante da grita do pastor Cristiano, que precisou ameaçar levá-lo dali, um médico apareceu e decidiu levar o paciente à sala de atendimento, onde recebeu oxigênio.

O SOFRIMENTO

Cristiano da Silva disse que seu padrasto foi colocado no corredor de um espaço com pelo menos oito pessoas, uma ao lado da outra, pacientes com bronquite, asma, suspeita de Covid e um anunciadamente portador de coronavírus. “Todos ficaram misturados”, declarou Cristiano. Um doente morreu à vista dos demais, numa cena chocante. A equipe circulava usando a mesma roupa para atender a todos, sem saber qual o problema de saúde de cada um.

Quando foram colocar oxigênio não havia o acessório para prender o equipamento. “O médico, aturdido em meio à demanda de doentes, disse que não poderia nem trocar as luvas, pois tinha apenas aquele par, já em uso para todos os pacientes”. Nem álcool a Santa Casa dispunha no momento. A sala de atendimento, com o chão enlameado, foi filmada e a gravação entregue ao Site. Foi então que Cristino recebeu a informação sobre a impossibilidade de internar seu padrasto. O médico colocou no documento interno que havia suspeita de Covid-19, única forma de levá-lo a um leito de internação. A Santa Casa não disponibilizava telefone e o médico resolveu usar seu aparelho pessoal para fazer contato com a Ala São Lucas, assegurando a internação, por volta das 09h30.

O médico perguntou se a família aceitaria tratamento do doente com hidroxicloroquina, azitromicina e demais remédios complementares, o que foi aceito, disse Cristiano. Antes, o médico não tinha aparelho para medir o nível de saturação de oxigênio no sangue do paciente, conforme Cristiano. “Era o caos instalado, algo inacreditável o que ocorria naquele lugar”. Segundo ele, o próprio boletim de atendimento evidencia toda a precariedade e o consequente desleixo com a vida humana. O familiar ficou chocado com a declaração do profissional que prestava atendimento, ou seja, que “o posto médico não poderia ter liberado Vanderlei, pois o doente tinha que ser mantido no oxigênio, aguardando a Santa Casa atender o telefonema e autorizar a remoção em ambulância equipada”. Cristiano ficou intrigado, pois o Posto do Bairro Profilurb tinha ambulância estacionada no local, mas o médico disse que não poderia deslocar o doente sem autorização do hospital. “Total negligência”, disse o denunciante.

MAIS ESPERA

Somente às 16h10 o aposentado foi encaminhado para exame de tomografia, apesar de estar internado desde as 09h30. O resultado saiu em trinta minutos. O comprometimento da capacidade pulmonar do paciente era de 50%. Vanderlei seguiu recebendo oxigênio. A família ainda não teve acesso ao tipo de tratamento efetivamente administrado. Na terça-feira à noite, a família ligou para a Ala São Lucas e a atendente transmitiu uma ótima notícia. “Seu Vanderlei está super bem”. Na manhã seguinte, às 10h30, ligaram da Santa Casa chamando os familiares, pois Vanderlei tinha falecido.

O EXAME

Segundo declarou Cristiano da Silva, pode ter sido feito exame de coronavírus somente após a morte, embora no documento de internação conste “suspeita de Covid”. O pastor refere que a situação está envolta em um mar de mentiras, principalmente por parte da Santa Casa. Ainda segundo ele, a médica Mara Campelo ligou para a família na quinta-feira, dia da morte do paciente. “A médica nos disse que não tinha o cotonete para realizar o exame de Covid”.

Quando a informação da médica chegou, Vanderlei tinha sido sepultado, às 16h30 do mesmo dia. A Certidão de Óbito aponta como causas da morte, insuficiência respiratória, pneumonia grave e suspeita de Covid. A família defende uma severa fiscalização na Santa Casa e quer saber se realmente a vítima passou pelo exame de Covid-19. “O sistema está matando muita gente em Rio Grande”, disse de forma taxativa o pastor. Ele ouviu de um dos médicos que se o paciente não tivesse Covid, certamente iria contrair no próprio hospital.

DESCRÉDITO

Cristiano da Silva, um dos mais respeitados líderes da comunidade evangélica de Rio Grande, está muito triste, a exemplo dos demais familiares de Vanderlei. Ele vê total descrédito do Hospital Santa Casa no atendimento a pacientes em meio a uma pandemia. Para ele, o Ministério Público em Rio Grande deveria ver a situação, levando este e outros casos adiante, mas reafirma que seu objetivo em noticiar o episódio, é para tentar evitar a continuidade do descaso com a saúde pública em Rio Grande. “Nosso município tem um protocolo falido, um sistema que não condiz com a realidade”, falou o pastor. “Queremos fazer com que as pessoas reflitam quando forem buscar atendimento na Santa Casa”.

Contudo, ele disse ter visto excelentes e esforçadas pessoas trabalhando no hospital, em meio ao caos, com os precários recursos existentes. “Estamos há quatro meses com restrições na cidade e o que foi feito no hospital referência para Covid?”, questiona. Para Cristiano, “isto é negligência no sistema de saúde, o que leva à morte”. A direção da Santa Casa não respondeu o questionamento por escrito encaminhado pelo Site Edson Costa Repórter sobre o caso. O secretário municipal da Saúde, Maicon de Barros Lemos, também foi instado pelo Site a se manifestar e às 19h37 desta quinta-feira (23) assumiu compromisso com o Site de oficiar o caso à Direção Técnica do hospital.

RESULTADOS

Poucas horas atrás, o pastor Cristiano da Silva liberou uma inquietante informação, o que chama de alerta à comunidade rio-grandina. “O saldo de Covid-19 em minha família, até o dia 22 às 18h, após 12 testes realizados, 07 foram positivos e 05 negativos”. Ele ainda mencionou o pior resultado até o momento, a morte de seu padrasto. O pastor Cristiano da Silva testou negativo para coronavírus. Na mensagem, o pastor, comovido, ainda escreveu: “Evitem a Santa Casa”.


Foto: Banco de Dados/Site