Site Edson Costa Repórter teve acesso com exclusividade a um dossiê contendo 327 páginas que já está em poder do Ministério Público Estadual (MPE) e do Ministério Público de Contas (MPC), em Porto Alegre. Extenso relatório e cópias de contratos públicos firmados pela Prefeitura de Rio Grande de 2016 até agora, na pandemia de Covid-19, poderão ensejar, inclusive, pedido de abertura de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Câmara de Vereadores de Rio Grande, diante da gravidade das denúncias.

CONHEÇA MELHOR O CASO  

Contratos feitos pela Prefeitura em diferentes áreas, com dispensa de licitação, estão sob suspeita de violação de normas do direito administrativo e até mesmo de terem sido forjadas as dispensas para favorecimento a algumas empresas. Quem trabalhou vários meses até a elaboração da peça de denúncia foi o advogado Deivid Moraes Mendes. Pós-graduando em Direito Administrativo, ele foi diretor do Departamento de Licitações e Contratos de São José do Norte, com vários cursos na área de licitações junto à Delegação de Prefeituras Municipais (DPM/RS). O relatório aponta que pelo menos sete empresas tiveram contratação por dispensa de licitação, alcançando a milionária quantia de R$ 46.216.453,28 (conforme pode ser conferido no resumo aqui divulgado).

A peça elaborada pelo especialista relata potenciais violações de normas e procedimentos administrativos de formalização de contratos pela administração pública municipal de Rio Grande, segundo a Lei Federal nº 8.666/93 e demais disposições aplicáveis. “São inúmeros os contratos formalizados sob dispensa de licitação que potencialmente atentam contra a Lei de Licitações”, apontou. Mendes disse que ao analisar os contratos encontrou um volume gigantesco de outros problemas e somente com os casos que resolveu elencar, chegou à soma de mais de R$ 46 milhões. “Existem inúmeras outras contratações por dispensa de licitação no período em análise que aparentemente deveriam ser licitadas, pelas regras de direito administrativo, mas que não fazem parte deste relatório, contudo, evitando alongamento, foram selecionados os contratos com valores significativos, de alto custo aos cofres públicos”. Para reforçar, ele também buscou respaldo em regramentos do Tribunal de Contas do RS. “Verifica-se que os serviços listados possuem, em anos distintos, ocorrência regular em dispensas, ou seja, a exceção (dispensar) tornou- se regra”. Segundo a denúncia, os contratos por dispensa coincidem com o beneficiamento contratual de poucas empresas.

FABRICAÇÃO 

Ficou, para o advogado Deivid Mendes “aparente que as dispensas [de licitações] sejam fabricadas, ocasionadas por má gestão pública, ou simplesmente inobservância dos ditames legais”. Isto, segundo a lei, prejudica a igualdade na disputa entre empresas do mesmo ramo de atividade econômica, maculando a presunção de legitimidade nos atos da administração pública, na contramão da Lei de Licitações. O relatório não entrou no mérito de execução ou não das obras contratadas, mas apontou a existência suspeita em torno de algumas contratações sem produção de resultados concretos à comunidade. Citou como exemplo o contrato nº 127/2020/SMCSU/SMDP, Dispensa de Licitação nº 07/2020. Trata-se do contrato de serviço de limpeza de alguns locais públicos em virtude da pandemia causada pelo coronavirus. Aponta locais como o complexo da Praça Saraiva e o Centro de Comércio Informal (camelódromo) afetados por fechamento durante bom tempo. “É possível que ocorram pagamentos sem efetiva realização de serviço”.

EMERGÊNCIA EM SAÚDE 

O dossiê acusa que o contrato nº 132/2020/SMS, de obra de engenharia (pavimentação de ruas), foi forjado, sob argumentação da Lei nº 13.979/2020. “Esta lei autoriza dispensas de licitação em situações de emergência em saúde pública”. O advogado colocou em seu texto que isto foi feito “para aparentar aspectos de legitimidade”. O contrato foi firmado pela Secretaria Municipal da Saúde, mas “não é vocação legal da SMS a execução de obras em vias públicas, uma vez que existe pasta devidamente constituída no Município com esta atribuição (Secretaria Municipal de Infraestrutura)”. O texto foi incisivo sobre o contrato ao referir que “pavimentação de ruas não tem correlação com emergência em saúde pública relacionada à pandemia”.

CORREGEDORIA 

A Corregedoria do Conselho Nacional do Ministério Público, segundo o advogado denunciante, emitiu orientação sobre a temática, o que constou na peça apresentada ao Ministério Público Estadual e Ministério Público de Contas do RS. “A Corregedoria Nacional entende que, antes da contratação emergencial por dispensa de licitação, é necessário registrar o planejamento de suas futuras aquisições, levando-se em consideração as necessidades completas do órgão, a economia de escala, o princípio da padronização, a manutenção, a substituição programada e a excepcionalidade das dispensas de licitação”. Nesta quarta-feira (19) o assessor Gerson da Fonseca informou que, por determinação do Procurador-geral, o Ministério Público de Contas/RS já autuou o Expediente para análise da matéria. A Prefeitura de Rio Grande ainda não se manifestou a respeito.

ATUALIZAÇÃO

Pela primeira vez o Gabinete do Prefeito Municipal respondeu um pedido de informações encaminhado pelas plataformas lideradas pelo Site Edson Costa Repórter. Nesta quinta-feira (20), à tarde, através de e-mail, a Prefeitura enviou resposta ao pedido de posição sobre os problemas envolvendo suspeita em torno de licitações do Executivo. O e-mail da Prefeitura de Rio Grande, enviado após a enorme repercussão da reportagem, tem o seguinte teor: “encaminhamos a seguir a manifestação oficial do Executivo, a pedido do Gabinete do Prefeito”. Abaixo, a íntegra da manifestação do Executivo Municipal.

“A Prefeitura Municipal do Rio Grande, através do Gabinete de Compras, Licitações e Contratos, reafirma a transparência de todo e qualquer ato da administração municipal, disponíveis para consulta pública no site da Prefeitura.  Nossos atos são objeto de rigoroso controle interno e externo, órgãos institucionalmente previstos como o Ministério Público e os Tribunais de Contas, que primam pelo cumprimento dos princípios que norteiam o nosso governo desde o seu início: a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a igualdade e a probidade administrativa. 

Lamentamos que, com a proximidade do período eleitoral, ilações sejam lançadas de modo a tentar manipular a opinião pública. O governo municipal não teme qualquer investigação, mesmo que possa resultar na propositura de ação civil pública, haja vista que jamais praticou, nas suas contratações, superfaturamentos, desonestidade ou vínculo pessoal entre agentes públicos e representantes contratadas”. 

NOTA OFICIAL

A empresa Phenix Soluções em Mão-de-obra, procurada, disse não concordar com as denúncias feitas ao Ministério Público e que todos os seus contratos são firmados na mais estrita observância à Lei nº 8.666/93 e suas alterações, entre outras leis aplicáveis aos contratos público, bem como às premissas fixadas pela doutrina e jurisprudência.


(Foto: Site Edson Costa Repórter)